Autores: Gustavo Nakata (Sócio fundador) e Maria Clara Gomes (Associada)
Em recente julgamento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, ocorrido em 12 de novembro de 2024, foi firmado o entendimento de que os direitos aquisitivos derivados do contrato de alienação fiduciária de veículo automotor são impenhoráveis quando ele é necessário ao exercício da profissão.
Nesse julgamento, relativo ao Recurso Especial nº 2.173.633/PR, o STJ examinou duas questões principais à luz dos artigos 833, inc. V, e 835, inc. XII, do Código de Processo Civil (CPC). A primeira, se o veículo utilizado como ferramenta de trabalho seria impenhorável. A segunda, se seria viável a penhora dos direitos aquisitivos derivados do contrato de alienação fiduciária envolvendo esse veículo.
Quanto à primeira questão, a Terceira Turma ratificou que o veículo necessário ao exercício da profissão é impenhorável, mesmo quando for objeto de contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária. Ou seja: se o devedor utilizar o veículo para trabalhar, seu credor não poderá penhorar esse veículo. O fundamento legal para essa posição está no artigo 833, inc. V, do CPC – o qual, em prestígio ao direito ao trabalho e à dignidade da pessoa humana, prevê a impenhorabilidade de máquinas, ferramentas, utensílios, instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do devedor.
O principal impacto desse julgamento, no entanto, decorre do posicionamento firmado pelo STJ com relação à segunda questão: se os direitos aquisitivos derivados do contrato de alienação fiduciária envolvendo um veículo essencial para o exercício da profissão seriam passíveis de penhora, ou não.
Ao examinar essa temática, a Terceira Turma firmou o entendimento de que esses direitos aquisitivos também seriam impenhoráveis, estendendo a proteção legal que recai sobre o veículo em si também para os direitos a ele associados. Segundo a Ministra Nancy Andrighi, a alienação fiduciária de um veículo não implica a transferência da propriedade plena ao credor fiduciário, vinculando os direitos do devedor à aquisição desse bem – motivo pelo qual esses direitos aquisitivos também são protegidos pela impenhorabilidade enquanto esse veículo for essencial ao exercício da profissão.
Esse entendimento do STJ confere maior proteção aos profissionais que utilizam veículos financiados para trabalhar, uma vez que afasta, nessa hipótese, a incidência do disposto no artigo 835, inc. XII, do CPC. Essa norma admite a penhora dos direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia, sendo frequentemente invocada pelos credores para requerer a penhora dos direitos aquisitivos vinculados a veículos nessas condições. No entanto, de acordo com o posicionamento firmado pelo STJ, esse tipo de pedido seria inviável porque equivaleria, na prática, à penhora indireta do próprio veículo.
A posição adotada pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº 2.173.633/PR prestigia o direito à subsistência do devedor, impedindo que ele seja privado de bens essenciais ao exercício de sua profissão, em detrimento da pretensão do credor de satisfazer o seu direito de crédito. Vale notar que uma posição bastante semelhante já foi anteriormente adotada pela Corte no julgamento do Recurso Especial nº 1.629.861/DF, no qual a Terceira Turma havia decidido pela impenhorabilidade dos direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária envolvendo bem de família.
Pela ótica dos credores, o julgamento unânime do Recurso Especial nº 2.173.633/PR somente reforça a necessidade crescente de que eles sejam assessorados por advogados capazes de definir estratégias inteligentes e personalizadas de recuperação de crédito – por exemplo, buscando elementos que descaracterizem a aparente impenhorabilidade legal de bens e direitos e justifiquem a sua penhora no caso concreto.
Para saber mais sobre esse e outros temas atuais relacionados a processo civil e recuperação de crédito, conheça a prática de Resolução de Disputas do Nakata Nasser.